Quando se deparam com a possibilidade da autonomia profissional, é comum que professores se sintam tão deslumbrados quanto desamparados. É, de fato, uma faca de dois gumes, um mar de rosas cheias de espinhos, um par de óculos de sol com lentes cor de rosa, mas com uma haste meio manca que exige regulagem constante. Posso propor aqui um rol de analogias, mas escolho uma que se arrisca a ilustrar o momento da transição de um emprego fixo, de carteira assinada, para o universo do professor autônomo – um salto de paraquedas.
Observe o aspirante a paraquedista. Ele vislumbra mergulhos no ar, sabe da adrenalina e das recompensas que acompanham o salto, mas entende que não pode simplesmente se lançar. Tampouco basta que os ventos estejam favoráveis para que o salto transcorra sem problemas. É preciso um avião seguro, equipagem de ponta, treinamento, acompanhamento e também que saiba como acionar o paraquedas de emergência, caso necessário. Vejo professores autônomos aspirantes da mesma forma. Enxergam a liberdade e as paisagens possíveis da vida autônoma, mas não importa quantos anos de prática pedagógica tenham, os desafios serão muitos e exigirão preparo. Arrisco-me, então, a expandir essa analogia para prever alguns desses desafios e a lançar perguntas para pensarmos sobre como abordá-los.
O avião | Pensemos, aqui, que o avião se trata da sua empresa. Qual será o modelo escolhido? Quais serão as engrenagens apropriadas para fazê-lo funcionar? Com qual frequência a manutenção precisa acontecer? Qual altura esse avião alcança? Para onde está indo? O que é necessário saber para construí-lo e pilotá-lo bem?
Ao tornar-se autônomo(a), você deixa de ser exclusivamente professor(a)-paraquedista. Agora, você passa a ser também responsável pela engenharia, pelo design e pela pilotagem. Como pessoa jurídica, o seu leque de tarefas é bem mais variado e, consequentemente, mais desafiador. Professores já são – por natureza ou motivos de força maior – dados(as) à experimentação, ao improviso, ao aprendizado, à adaptação. Isso só pode contar a seu favor quando decidir que quer aprender também sobre outras áreas.
Para começar, tenha claro o seu modelo de negócio e os rumos iniciais que pretende tomar. Planeje-se para desenvolver, com calma e tempo, as habilidades e competências necessárias para gerenciar bem a sua empresa. Mesmo que você escolha contratar outros profissionais especializados (e isso é papo para outra hora), você precisa entender minimamente sobre escolhas pedagógicas, gestão, marketing, contabilidade, finanças e legislação.
Mas, calma! Você não precisa dominar todos os temas para dar início à aventura – (re)configurar o avião em pleno voo é perfeitamente possível, desde que você se proponha a entender como fazê-lo. Empenhe-se na tarefa de torná-lo eficiente e seguro e você verá como o voo fica muito mais agradável.
O equipamento | Professores-paraquedistas, quando se lançam, precisam estar bem equipados – mas de quê? O desafio aqui é selecionar os melhores recursos, aqueles que serão parte estruturante do nosso salto rumo à liberdade profissional. Não é fácil desenhar uma proposta pedagógica eficiente e atrativa nem escolher materiais didáticos que conversem com ela.
Para que isso aconteça, é preciso que você primeiro identifique suas crenças sobre ensino e aprendizagem. O que funciona para os alunos que você escolheu atender? Quais vertentes teóricas conseguem oferecer a você o suporte necessário para que a aprendizagem ocorra de verdade? Pesquise, questione, estude e aperfeiçoe-se constantemente. Seja fiel ao conhecimento científico da sua área de atuação para que escolhas pedagógicas responsáveis sejam priorizadas.
Outro desafio é, sem dúvidas, a escolha de materiais para as aulas. Preciso adotar um livro didático? Quais plataformas poderão aprimorar a experiência dos meus alunos? Não importa tanto, no final das contas. Se a sua proposta acadêmica for bem estruturada, ela será capaz de informar claramente a seleção de recursos. Com livro didático ou sem ele, você saberá como conduzir com solidez as suas aulas.
Tendo dito tudo isso, lembre-se que não importa ter equipamento de primeira linha se não souber como usá-lo. Não há material didático ou recurso tecnológico que faça o seu trabalho por você. O livro não pode ser uma camisa de força (já viu paraquedista de mãos atadas?). Professores e estudantes são os primeiros e mais importantes recursos em jogo – não subestime isso. A aula, de fato, acontece no encontro, na comunicação, na interação.
O paraquedista | Sem você nada disso acontece. Não há avião que se construa sozinho nem há cordinha de paraquedas que se puxe se você não estiver lá. Você é o seu maior e mais precioso recurso.
É muito comum, quando alguém se vê autônomo, que haja um fascínio pela quantidade de alunos que aparece ou pela possibilidade de ganhar muito dinheiro. É um desafio saber dosar, escolher a medida certa para que o dia a dia seja sustentável.
Ter uma agenda lotada pode gerar maior rentabilidade em um primeiro momento, mas pode também ser a porta de entrada para um burnout. Cuidado para não reproduzir modelos de trabalho nos quais você não acredita e que tanto criticou. Não é porque você é o seu próprio chefe que deve estar disponível o tempo todo e aceitar todas as propostas que se apresentarem.
Cabe a você impor seus próprios limites, aprender a dizer “não” e saber quando se permitir momentos de folga. Você pode e deve se programar, tanto financeira quanto temporalmente, para tirar férias e aproveitar os feriados. O seu cérebro, assim como o seu corpo todo, não é um recurso infinito de energia e criatividade e, por isso, precisa de intervalos para continuar funcionando bem. É melhor ter pausas programadas do que indesejadas, forçadas por problemas de saúde, não é mesmo? Não espere o seu corpo nem as suas relações pedirem socorro. Invista no ócio. Afinal de contas, de que vale o salto de paraquedas se não se consegue respirar e olhar a paisagem?
Tudo isso é para dizer que, com planejamento e informação, o salto tem potencial de voo. Ser autônomo(a) vira a sua vida de cabeça para baixo – e saltar do avião é maravilhoso quando se tem a certeza de que o paraquedas vai abrir.
Para pensar além: o checklist do salto seguro
- Tenha uma proposta acadêmica bem informada e consolidada. Antes de mais nada, somos professores e devemos ter responsabilidade pedagógica;
- Escolha materiais e recursos que dialoguem com essa proposta, sem deixar de se atentar para as necessidades individuais dos alunos que te procuram;
- Invista em uma reserva financeira para não passar aperto nos primeiros meses ou em eventuais baixas de alunos;
- Regularize a sua empresa. Além de ficar em dia com as suas obrigações legais e tributárias, isso te ajuda a consolidar uma imagem profissional diante dos clientes em potencial;
- Tenha uma presença digital interessante, que seja vitrine para os seus serviços, mas não se deixe escravizar por isso;
- Priorize a sua saúde física e mental;
- Faça terapia e converse com colegas de profissão sobre os desafios que possam surgir: você quer ser autônomo(a), não uma ilha.
Joyce Campos